Américo
No fim do século XIX o nosso então imperador Pedro resolveu que era hora de transformar aquele amontoado de fugitivos, escravos e índios que ele governava em um país. Tomou as seguintes providências: contratar um pintor e declarar guerra ao Paraguai. Seu xará de sobrenome Américo ficou empenhado de retratar a óleo o massacre que haveria de fundar essa nação, surge assim a maior tela do Brasil, Batalha do Avaí, com a insana proporção de seis metros por onze, ou seja, 66 metros quadrados. Para se ter uma comparação, um apartamento de sessenta metros quadrados em São Cristóvão, perto da antiga morada do Pedro imperador, não sai por menos de duzentos mil reais hoje em dia. Digo isso apenas para se ter uma comparação, porque imagino que o Pedro pintor tenha recebido muito mais que duzentos mil pelo seu trabalho, ou ao menos ele mereceria receber pela nobreza do esforço. De qualquer forma o resultado não saiu como esperado e o nobre sentimento patriótico foi por água abaixo junto do sangue de todas as vidas ceifadas pelo nosso exército do lado de lá da fronteira, poucos anos depois o imperador estava embarcando para um luxuoso exílio em Paris onde viveu o resto da vida fazendo o belo discurso dos derrotados “a verdade é que eu nunca quis governar nada”. A tinta de Américo, por outro lado, não escorreu e permanece até hoje presa à tela que repousa no Museu Nacional de Belas Artes, logo de cara para o Teatro Municipal e do lado da Cinelândia, o metrô deixa ali na porta mesmo, quase dentro. Estive lá no final do ano passado e fiquei de frente para essa tela colossal, com meu celular chinês parcelado em dez vezes eu tirei uma fotografia de um boizinho que fugia com um olhar muito assustado daquele pandemônio que deveria fundar o Brasil dos Pedros. Eu gosto de bois, sabe? Tenho um tatuado no braço, na verdade é um bisão, que veio de uma pintura rupestre linda encontrada em uma caverna de Altamira na Espanha, me surpreendeu o quanto o animal parecia humanizado, mesmo motivo pelo qual fiquei tocado pelo olhar do boi que o Américo pintou. Acho que agora, milênios depois, gostaria de dizer que o homem das cavernas que pintou o meu bisão também se chamava Pedro, estou batizando ele assim em 2020.
Ao total, foram colados cinquenta lambe-lambes na região da Grande Tijuca em agosto de 2020.
[Agradecimentos a Thainá Guimarães]